Data: 7 de julho de 2006
Fazia anos que a mídia não se interessava por mim e pensei que esse esquecimento era definitivo, em particular pela televisão, a qual só se interessou por mim uma vez, quando a Globo Nordeste exibiu uma reportagem sobre mim num noticiário local. Porém, em março a revista A Rede , dedicada à Internet, publicou uma reportagem sobre acessibilidade digital em que me citou e reproduziu o texto da página inicial do meu site, o que até me irritou porque não autorizei nada disso e só soube dessa reportagem quando a TV Cultura me sondou para participar do Roda Viva*, cujas entrevistas assisto frequentemente. Essa reportagem acabou fazendo o Paulo Markun, diretor e mediador do programa, decidir me convidar para o debate sobre deficiência ao ler meu site.
A idéia inicial da Cultura era eu participar do Roda Viva por videoconferência, da qual não gostei muito – hoje não sei qual teria sido a melhor forma de participar do programa –, decidiram pela minha presença no estúdio já no dia 10 de maio – cinco dias da data em que deveria ter ido ao ar – e, como já tinha marcado um encontro para aquela semana com minha (agora ex) namorada** que é do interior paulista, íamos para Fortaleza e mudar as datas das passagens teria um custo alto que não poderíamos assumir, ela tinha de ser necessariamente de me acompanhar.
A Cultura me deu três opções de voo e cometi a estupidez de escolher um da Varig à tarde sabendo que esta companhia estava falindo, que atrasou quatro horas. Para minha sorte, a rebelião do Primeiro Comando da Capital estourou naquele momento e o debate sobre deficiência substituído por um sobre tal crise, o que me permitiu participar da gravação do programa no dia seguinte. Deixamos de acompanhar o noticiário no dia 12, exatamente quando começou a rebelião, só soubemos do que estava acontecendo em São Paulo no aeroporto de Fortaleza, quando estávamos esperando nosso vôo, ficamos com medo e pensamos em não ir, mas resolvi confiar no acaso – afinal por que, numa cidade de dez milhões de habitantes, uma bala me atingiria? – e valia a pena correr o risco pelos prestígio, qualidade e minha admiração pessoal pelo Roda Viva. Chegamos em Guarulhos após as 23h, com rumores de explosão de uma bomba caseira em Congonhas, encontramos uma São Paulo deserta e assustada, minha namorada viu um assalto do outro lado da Marginal Tietê, mas nos hospedamos num hotel que fica num bairro tranqüilo.
Tenho movimentos involuntários nos braços e preciso fixá-los quando uso o computador ou a prancha de comunicação; sento na minha cama com os braços em ângulo para trás para usar o computador, o que serve tanto para fixá-los quanto para apoiar meu corpo; já numa cadeira prendo os braços entre as pernas, o que torna minha digitação extremamente lenta e difícil, mas não atrapalha o uso da prancha. Assim, quando aceitei ir a São Paulo imaginava que entraria no cenário com minha namorada para falar o que eu dissesse pela prancha, mas a jornalista que manteve contato comigo foi meio rígida, disse que não havia espaço para mais uma pessoa no cenário – havia, sim –, quis que me comunicasse com Paulo Markun com um computador e não gostou da minha idéia de levar textos pré-escritos, ao menos para a minha primeira fala. Fiquei apavorado com essas condições, a tensão foi tão grande que tive dor de estômago e pensei em desistir de ir, porque eu passaria o programa todo praticamente sem dizer nada – quando estava esperando para entrar no cenário, brinquei com minha própria desgraça perguntando, rindo, a minha namorada “vamos fugir daqui?”. Porém, quando viu minha dificuldade em usar o computador na cadeira, Markun perguntou a minha namorada se não era melhor ela estar no cenário comigo, mas ela disse que ele confiasse em mim; já depois do começo da gravação, Markun teve a brilhante idéia de sempre procurar no meu site algum texto que tivesse a ver com cada tema tratado, além de usar as poucas frases que consegui digitar no MSN Messenger. Essa competência do Markun e o fato de que eu era o mais fora dos padrões dos debatedores – entre os quais, Marcos Frota, Dudu Braga, Lars Grael, dois deputados – conferiram certo brilho à minha participação, fui citado várias vezes pelos outros durante o programa e, após a gravação terminar, todos me elogiaram e o Markun disse a minha namorada que valeu a pena confiar em mim.
O debate só foi exibido em 19 de junho e gostei no geral, embora meu nervosismo tenha ficado evidente, a começar pelo rosto contorcido, e até Markun tenha o achado meio superficial e sem polêmica, que é uma das marcas do Roda Viva – ele bem que tentou criá-la; se eu tivesse uma comunicação mais fácil, criaria alguma e talvez essa expectativa tenha sido um dos motivos para Markun ter me convidado. Só não gostei que um dos convidados, o médico Donaldo Jorge Filho, tenha dito que não posso freqüentar uma escola “normal”, talvez porque, naquele contexto, minhas limitações pareciam (e eram) maiores que em situações mais cotidianas – eu deveria ter protestado na hora, de algum jeito, mas estava tão concentrado em lidar com a dificuldade de digitação que nem percebi esse infeliz comentário. De qualquer modo, além de ter sido uma aventura para mim e minha namorada, o Roda Viva é muito prestigiado e respeitado, tratou do tema pela primeira vez e discutiu os aspectos mais relevantes deste, o que foi muito importante, correu um alto risco ao convidar alguém com PC severa, o que tinha tudo para ser um fiasco total e não foi. Fora um problema pessoal no fim de 2005, ir ao Roda Viva foi a situação mais difícil pela qual passei nos últimos anos!
*NOTA: em 26/10/2006 a revista A Rede retratou-se, me pediu desculpas por não ter solicitado minha autorização para reproduzir a página inicial deste site.
**NOTA: esse namoro acabou em 2008.