O isolamento e a solidão são dois dos maiores problemas de quem tem deficiência física, às vezes chegando a serem motivos de desespero. Em parte, isso deve-se a preconceitos e barreiras sociais – como as arquitetônicas – de todo tipo, mas a principal razão é as dificuldades de se comunicar, cuidar, lidar, andar, etc., com pessoas com deficiência, e um terceiro motivo, mais sutil, é algumas reações destas – como complexo de inferioridade, falta de autoestima, medo de correr riscos – e da família – p. ex., superproteção – à deficiência que dificultam o estabelecimento de relações saudáveis.

Até os 22 anos, nunca tive um único amigo e a coisa mais parecida com isso foram alguns primos que via uma ou duas vezes por ano – quase toda minha família mora no Ceará, de onde meus pais são –, até estabelecer amizade com um estudante de Economia que fazia natação comigo, em meados da década de 1980. Na época, minha vida social limitava-se a sair com meus pais e ir à casa da família desse amigo acompanhado de uma irmã dez anos mais nova que eu. Em 1988, numa viagem a Fortaleza, me tornei amigo de uma prima


que há muito tentava se aproximar de mim, a qual foi a primeira pessoa que foi a um bar comigo, com quem fiz uma farra e coisas do gênero; no ano seguinte, tal prima, junto com essa irmã, até me permitiu brincar o carnaval de Olinda, o que foi a melhor experiência da minha vida – foi uma loucura!!! Naquele mesmo ano, fiz outras grandes amizades, isto é, pela primeira vez houve gente disposta a sair comigo sem um familiar para cuidar de mim.


Essa nova situação gerou inúmeros e sérios conflitos com meus pais – bastante semelhantes aos que os adolescentes vivem, embora já tivesse 24 anos –, porque uma pessoa com paralisia cerebral tem a imagem de um bebê, minha mãe tem uma moral extremamente rígida e havia muita desinformação da parte deles; na época, também deixei de perceber que era uma novidade que provavelmente eles achassem que nunca fosse acontecer e, se já difícil um pai ou mãe soltar um filho “normal” no mundo, o é muito mais com um que tem uma deficiência.


É improvável que um dia deixe definitivamente de sofrer com a solidão e o isolamento, pois para sair comigo é necessário certa força física, me levar ao banheiro, colocar comida e bebida – só não tomo uísque – na minha boca, etc., coisas que raras pessoas podem e/ou estão dispostas a fazer. Porém, hoje saio ao encontro dos meus poucos amigos de táxi sozinho – com motoristas de confiança –, possuo as chaves de casa e tenho grandes amizades, como a doce, meiga e alegre Shirley Freitas, que conheço desde 1988, e a divertida e empreendedora Ana Paula, que são quem mais saem comigo, frequentemente são as que ouve meus desabafos em momentos difíceis, assim como sou quem ouve os delas.


Naquele ano mágico, quando uma nova amiga saiu comigo pela primeira vez, ao vê-la me dando cerveja uma pessoa que estava no bar ficou histérica, fez um escândalo, ameaçou chamar a polícia e quase a agrediu, pois achou que tal amiga estava corrompendo alguém “puro”, um anjo. Mas de puro, anjo nada tenho: adoro praia, mar, bares, sair à noite, andar pela madrugada, ver o dia nascer, viajar, aventura – em suma, celebrar a vida.