Data: 11 de março de 2001
Assunto: XIV Congresso Nacional da Associação Brasileira de Paralisia Cerebral
Contexto: uma participante da Vital enviou para a lista a programação do principal evento sobre paralisia cerebral do Brasil, na qual não havia o menor sinal da participação dos próprios portadores dessa deficiência.
[C] Gente
[C] Desculpe estar mandando a programação desse congresso faltando tão pouco tempo… mas é que só soube agora também….
[C] XIV CONGRESSO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PARALISIA CEREBRAL
[C] “PERSPECTIVAS FUNCIONAIS DA PARALISIA CEREBRAL PARA O PRÓXIMO SÉCULO”
Fernanda
Soube desse congresso em fevereiro pelo meu amigo Dr. Jorge Márcio, que questionou a organização do evento sobre a participação de portadores de PC, a organizadora que o respondeu simplesmente não entendeu o que ele quis dizer, o que o fez reafirmar que nossa presença é imprescindível nesses eventos e que não somos “paralíticos mentais”– note que há um curso para pais e especialistas de todas as áreas, mas nada que indique a presença dos próprios portadores. A princípio, me senti como se os pesquisadores e “especialistas” nos encarassem como objetos inanimados, “paralisados”, que não precisam nem podem ser consultado quando são estudados, mas depois passei a achar que tratava-se do velho preconceito de que somos todos débeis mentais e, portanto, pessoas incapazes de ter um conhecimento sobre si mesmas que tem de ser levado em conta, incorporado pela ciência.””
Abaixo, reproduzo o relato que Suely Shatow – uma PC formada em filosofia e psicologia social e autora do livro “Paralisado Cerebral Identidade na Exclusão”– me fez sobre outro congresso realizado em 1998.
“Desde 1987/88 vou a vários congressos, palestras, mesas redondas, encontros etc., e leio livros sobre pc, que, diga-se de passagem, é duro de se encontrar, mas eu não ouvi e nem vi nenhum deles mencionar a sexualidade de pc sem comprometimento mental. É interessante que nós somos vistos como “anjinhos”! Tanto é que, quando fui no último Congresso da Associação Brasileira de Paralisia Cerebral, em março do ano passado, fui exatamente para ver o que eles estavam dizendo sobre a identidade do pc. Descobri, chegando lá, que o pc não tem identidade. Cortaram do programa!!!!! E eu estudo justamente isto desde 1983 e, mais especificamente sobre pc, desde 1989! Não sei porque, eles me boicotam! Bom, já que não havia a dita mesa, resolvi assistir a mesa redonda de sexualidade do pc. Qual não foi a minha surpresa quando os expositores versavam somente sobre a sexualidade dos deficientes mentais e uma pessoa falou sobre a do pc com comprometimento mental! Depois, quando fui solicitar meu certificado, eu pedi, em tom de brincadeira, um par de asinhas para mim. O que fazer? Eu estava me sentindo uma anjinha, porque sem sexo e sem identidade frente aos “especialistas sobre nós”! E eu, particularmente, me sinto muito mulher! E a dita associação é composta por “especialistas científicos” em pc!!! Coincidentemente, uma semana depois, quando fui à PUC-SP, uma colega me chama de Prozac! É o remédio para levantar o astral dos deprimidos. Ai, eu comecei a rir e, claro, tive de explicar, dizendo “Pronto! Agora é que a caracterização de anjinha ficou completa!”
Neste próximo congresso especificamente sobre PC, intitular uma conferência de “Sexualidade das Deficiências” chega a ser uma piada ou um insulto, indica que pouco ou nada falará da nossa sexualidade e, se o fizer, será um monte de asneiras:( Este é só um exemplo dos absurdos que a a ausência dos portadores de PC nesses eventos pode causar.