Sexualidade na Paralisia Cerebral

A imagem mais comum que a sociedade faz da pessoa com deficiência física é a de um paraplégico sentado numa cadeira de rodas. Como a mente está no cérebro, mesmo alguns profissionais (neurologistas, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, etc.) acostumados a lidar com pessoas com deficiência pensam que uma lesão cerebral implica necessariamente em alguma dificuldade de aprendizagem e de compreender o mundo – não existem dados confiáveis no Brasil, mas a United Cerebral Palsy estima que, nos EUA, em 90% casos não existe comprometimento da capacidade cognitiva. Por fim, como quem tem paralisia cerebral quase sempre precisa de outra pessoa para se alimentar, banhar, vestir, etc., geralmente o veem como um bebê ou um anjo.

Assim, ora as questões da sexualidade de pessoas com paralisia cerebral cognitiva e psicologicamente “normais” são tratados como iguais aos dos tetra e paraplégicos – essa generalização indevida também ocorre com outras deficiências físicas –, ora são assimilados aos dos têm deficiência cognitiva, ora são simplesmente negados pois são vistos como assexuados. Um bom exemplo desse estado de coisas é o livro “Sexualidade e Deficiências” de Ana Cláudia Bortolozzi Maia, cujo capítulo sobre deficiências físicas na prática só trata da lesão medular.

No sexo em si, como em tudo o mais, o grande problema das pessoas com paralisia cerebral é a falta de coordenação motora, a qual também dificulta ou impossibilita a masturbação. Além do mais, a paralisia cerebral deforma suas feições físicas, tornando-os um improvável objeto de desejo de um homem ou mulher – embora uns poucos tenham atração física por pessoas nesta condição – e dificulta ou impossibilita a fala, a qual é importantíssima na sedução.

Devido a tais problemas, há aqueles que se refugiam nas próprias fantasias, muitas vezes alimentadas por pornografia, conformando-se em viver sua sexualidade de modo bem parcial  Alguns têm a saúde seriamente prejudicada porque a família não os leva a urologistas ou ginecologistas, já que são considerados assexuados, visão que frequentemente a faz resistir e até tentar impedir que essas pessoas tenham uma vida sexual. Outros sofrem abuso sexual, às vezes repetidamente, sem ter possibilidade alguma de se defender e, devido à impossibilidade de falar ou se comunicar, de contar o que aconteceu, denunciar os agressores. Os que vivem em instituições de abrigo, abandonados pela família, são proibidos de manter qualquer atividade sexual voluntária e enfrentam situações vexatórias para burlar tal proibição.

Quem dispõe de algum dinheiro e é homem pode apelar para a prostituição – algo muitíssimo mais difícil para as mulheres –, o que gera uma série de problemas práticos (arranjar alguém que o leve, preservar sua intimidade, procurar uma profissional que aceite lidar com a deficiência, conseguir comunicar-se com esta para dizer o que deseja fazer e como, etc) e familiares, inclusive por serem vistos como crianças ou anjos, além de reduzir ainda mais sua autoestima e ser fonte de constrangimento; porém, mesmo para tais “privilegiados” a vida sexual raramente deixa de ser altamente insatisfatória, o que causa tensão, insônia, ansiedade, entre outros problemas psicológicos, psicossomáticos e fisiológicos. Se em certos casos a necessidade de sexo pode ser (muito mal) suprida com dinheiro, a de amor não, o que machuca, fere, dói na alma.

São evidentes as grandes dificuldades para alguém ter atração, relações sexuais e/ou amorosas, e filhos com uma pessoa com paralisia cerebral e, portanto, ter uma sexualidade problemática é inerente à sua condição. Entretanto, embora o discurso sobre “beleza interior” seja quase sempre hipócrita, de modo nenhum é impossível um homem ou uma mulher se interessar, amar e ter prazer com essas pessoas e se dispor a enfrentar tais dificuldades, inclusive com muita imaginação e criatividade, mas aí emerge toda a carga de preconceitos e visões distorcidas pelos quais não podem fazer sexo, namorar, se casar e ter filhos, isto é, nestas ocasiões a sociedade tende a negar-lhes os direitos humanos mais básicos. Mas o fato é que as pessoas com paralisia cerebral cuja capacidade cognitiva não foi afetada não têm, ao contrário da maioria (não todos) dos tetra e paraplégicos, problemas de sensibilidade tátil e em ter prazer, e têm desejos, amam e se apaixonam como qualquer pessoa “normal”.