Uma Entrevista

Data: 13 de julho de 2001
Assunto: Uma Entrevista

Há três anos, dou uma entrevista num curso que ensina estudantes e profissionais de várias áreas – psicologia, assistência social, pedagogia, etc – a lidar com pessoas com deficiência, dado por uma psicóloga que me conheceu através da minha mãe – a entrevista deste ano foi no último sábado. Ao entrar na sala, esperei cinco minutos para a turma – de 45 mulheres e só 2 homens – se reunir, durante os quais já fiquei meio envergonhado diante daquele monte de gente me olhando sem ter muita idéia de como se comunicar comigo. Logo que essa psicóloga explicou isso e me apresentou à turma, a primeira pergunta que dispararam foi como tinha sido minha primeira transa – nos anos anteriores, essa questão também havia sido levantada, mas de uma forma bem mais delicada e após certo tempo de conversa, não assim na bucha, logo de cara. Rindo – muitas vezes, rio quando fico embaraçado – olhei para um lado, para o outro, para o teto, como se quisesse fugir dali, e pensei “Ah! Meu Deus, como vou dizer isso a um bando de mulheres que nunca vi na vida?!”, mas acabei respondendo de um modo objetivo e franco que, ao mesmo tempo, preservou minha privacidade – só lamento não ter encerrado o assunto dizendo “se alguma de vocês quiser uma demonstração prática, é só me ligar que dou uma aula particular”!!!. Em compensação, na hora de eu fazer perguntas à turma disse com um olhar malicioso “agora vou me vingar!”, o que fez todos rirem, e disparei “quem teria coragem de ter um relacionamento com um deficiente?”, – aí todos ficaram calados sem coragem para responder (no fundo, acho que para dizer “não”), quando romperam o silêncio foi para tentarem fugir do assunto, mas eu e a psicóloga não deixamos, só três mulheres se pronunciaram dando a resposta-padrão feminina -“sim, desde que houvesse amor”–, à qual não dou crédito e temei que amor só não basta, é necessário também uma certa estrutura. Nesse ínterim, fiz a turma dar boas gargalhadas falando desses e outros assuntos, e no fim da entrevista uma aluna, falando em nome do grupo, me agradeceu por ter sido tão informativo, alegre e amável!

Em seguida, mudei de cadeira para assistir as duas outras palestras, a primeira de uma mãe de um menino que tem PC, nasceu com o palato aberto e foi alimentado por injeções até os três anos, e a segunda de uma pessoa que tem PC que é militante da causa dos direitos das pessoas com deficiência – aliás, esta foi a primeira pessoa que diz ter PC tendo adquirido a lesão cerebral quando já era adulta. Na primeira dessas entrevistas, notei que as perguntas que fizeram não eram indiscretas de modo algum – eu é que quis saber como a figura espera lidar com a sexualidade do filho – fiquei invocado e ironizei “vocês foram gentis demais com ela!”. O fato é que essas duas palestras não foram nem de longe tão interessantes quanto a minha, apesar de também serem duas lições de vida e não haver nenhuma dificuldade de comunicação nos dois casos – mas, também, do jeito que as coisas começaram, ou me saía muito bem ou teria ficado completamente constrangido. Na hora da despedida, aquela mãe me falou “você é maravilhoso; a gente precisa de um referencial e você será a referência para criar meu filho”.

Nunca vou me esquecer dessa entrevista – me senti “Daniel na cova dos leões”, ou melhor, das leoas!!!