Como você pode ver, uso o computador de uma maneira diferente, com os dedos dos pés. A razão disso é que, devido a um acidente de parto em que me faltou oxigênio, fiquei com uma paralisia cerebral. Apesar disso, minhas funções mentais não foram prejudicadas e sou mental e psicologicamente normal – a Internet é o único espaço em que esse fato é evidente: em geral, as pessoas têm uma imensa dificuldade em acreditar que não tenho retardo mental, problemas de percepção ou pelo menos uma ingenuidade elefantina.
De fato, como não posso falar – como também não me é possível andar, comer, me vestir etc, sem ajuda – a comunicação comigo é bastante complicada e, por isso, era bem problemático expressar o que me passava pela cabeça – na melhor das hipóteses, alguém tinha de dizer o alfabeto inteiro para que formasse as palavras letra por letra, o que inviabilizava qualquer tipo de conversação –, o que pode facilmente ser interpretado como sinal de retardo mental, já que cerca de metade das pessoas com paralisia cerebral tem esse problema, sem falar do preconceito, que é mais forte em países como o Brasil. Superar essa dificuldade de comunicação foi um longo processo, o qual foi da compra de uma máquina de escrever elétrica – que hoje me parece algo da Idade da Pedra – passando pelo ingresso na Internet, cuja etapa mais importante foi a confecção de uma prancha com letras e números, coisa simples mas que me permitiu conversar em tempo real, e agora um tablet com o sintetizador de voz Livox – uso todos esses meios do mesmo modo, com os dedos dos pés.
Só tive oportunidade de estudar até a sexta série, mas meu nível cultural não deixa nada a dever ao de um universitário. De fato, para fugir do tédio virei um leitor voraz e acabei me tornando autodidata em Economia. Também gosto de história, filosofia, ciência – particularmente física, astronomia e matemática –, tecnologia e ficção cientifica.
Até 1995, me sentia sem forças para tentar trabalhar, o que só mudou com uma psicoterapia que comecei meio a contragosto num momento difícil. Após diversas tentativas de obter um computador, uma congregação religiosa doou o dinheiro que me possibilitou atingir tal objetivo. Inicialmente trabalhei dois anos fazendo cartões de visita, impressos de vários tipos, folhas de pagamento, em sociedade com uma irmã, e depois, sozinho, webdesign. A banalidade desses serviços – exceto o último – me desestimulava bastante, ainda mais porque o retorno financeiro não era grande coisa, devido a uma série de problemas minha atividade profissional ficou suspensa por muitos anos e só agora está sendo lentamente retomada, com trabalhos de inteligência de mercado e revisão de livros a serem publicados.
Este foi o segundo site feito por uma pessoa com deficiência na Internet brasileira, o que me fez ser tema de inúmeras matérias na mídia. Muita gente – como a maioria dos autores dessas reportagens – me considera um vencedor, um herói, mas não gosto dessa imagem porque acho que minha reação às limitações físicas é uma mera questão de sobrevivência – certamente há algo de extraordinário nisso, mas não muito. Todo mundo tenta instintivamente compensar suas limitações, embora as pessoas se surpreendam com os resultados dessa atitude nas que têm deficiência. Prefiro que me encarem como um lutador, um ser humano que se viu na contingência de ter que enfrentar problemas maiores do que os normais para ter sonhos – como saltar de paraquedas – e alegria de viver.