Paralisia Cerebral – uma expressão enganosa

Data: 27 de dezembro de 2000
Assunto: Paralisia Cerebral – uma expressão enganosa

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Recentemente, uma amiga virtual que já participou da Vital me perguntou se fica difícil ser “ativo” na cama dado que supostamente eu não poderia me mexer, sou “paralisado”, o que me deixou desconcertado e fez dar uma resposta pouco clara, não porque o assunto era sexo mas pela pergunta ter me parecido meio sem nexo pois, na hora, não compreendi o cerne da questão. Acontece que a expressão “paralisia cerebral”, que praticamente foi cunhada por Freud em 1897 – a expressão dele foi “paralisia cerebral infantil”– dá a entender que quem a tem fica praticamente imobilizado, o que de fato ocorre com alguns, creio que como efeito progressivo da espasticidade (resistência dos músculos ao movimento), devido à gravidade da lesão ou quando há inadequação ou ausência da fisioterapia – como não havia fisioterapia e a medicina era precária no século XIX, pode–se imaginar a razão da expressão; de outro modo, não há paralisia, impossibilidade de movimentos, e sim falta de coordenação motora. Por essa causa, desde a década de 80 alguns especialistas passaram a chamar tal deficiência de “incapacidade motora cerebral” (IMC); observem que a palavra “motora” desassocia a expressão de qualquer julgamento da capacidade mental da pessoa – quando essa capacidade é afetada, trata-se de deficiências múltiplas.

Data: 5 de outubro de 2003
Assunto: Paralisia Cerebral – uma expressão enganosa

[C] Oi Ronaldo, boa tarde

[C}Estranho é que tudo que li em sua página e que já conversei com nossos amigos sobre você, sempre me deu a idéia que você só tinha movimento abaixo dos joelhos e acima do pescoço. Agora gostaria de lhe entender mais – entender sua deficiência, melhor dizendo. (você fica mais difícil de entender!). Você então pode movimentar o tórax, a barriga, os braços, mas não tem coordenação – não consigo imaginar como seja isso, um movimento descoordenado. Você dá o comando para o seu corpo…”‘perna, vá para frente” e ela vai mas você não tem controle se ela vai muito pra frente ou pouco para a frente, se vai para a frente meio pro lado e coisa e tal – é isso? No entanto, nos pés, você diz “dedão, vá escrever MAQ” (aliás, uma boa coisa para se escrever) e você tem orientação perfeita da força empregada para se atingir cada letra e etc.– é isso?

MAQ

No meu site, nada há que indique que sou “paralisado” dos joelhos ao pescoço, digo em algumas páginas que o grande problema da PC é a falta de coordenação motora e até tem um pequeno texto, que reproduz uma mensagem que escrevi para a Vital há três anos com o mesmo título desta, em que advirto que a expressão “paralisia cerebral” é enganosa porque faz pensar em imobilidade, idéia que acho ser o motivo de alguns membros da lista imaginarem que só movimento a cabeça e as pernas abaixo dos joelhos. Os diagnósticos que os neurologistas me deram já se perderam há muito tempo e, na medida em que pude reconstituí-lo, meu quadro clínico tem as seguintes características: espasticidade, que é rigidez muscular, de longe a mais incômoda, e também a mais preocupante porque pode gerar rigidez nas articulações – e, assim, uma verdadeira imobilidade – e deformações ósseas; atetóse, que são movimentos involuntários – no meu caso, nos braços – quando a pessoa fica parada; e ataxia, que é a descoordenação motora propriamente dita. Em conseqüência desse quadro, a maioria dos meus movimentos voluntários são comprometidos, sobretudo – devido à espasticidade – quando fico tenso, e tenho de controlar alguns involuntários – geralmente, preciso fixar os braços de alguma forma quando me sento, senão eles parecem adquirir vontade própria. Minhas pernas não se estendem totalmente, devido ao pouco uso e à espasticidade, e a esquerda é rotacionada para dentro, mas consigo andar com ajuda – quando tenho de percorrer grandes distâncias, preciso de uma cadeira de rodas porque o andar de um PC gasta muito mais energia do que o de uma pessoa comum. Porém, não tenho descoordenação no tórax, barriga e cabeça.

O Dr. Jorge Marcio de Andrade luta para os médicos adotarem a designação “distúrbio de eficiência física”, alguns gostariam de ver adotada “incapacidade motora cerebral” e outras expressões, mas nenhuma destas “pega”. Ao cunhar a expressão “paralisia cerebral” no fim do século XIX, Freud devia estar descrevendo fielmente a condição das pessoas que tinham essa afecção naquela época, mas, com o desenvolvimento das técnicas de diagnose e tratamento, tal expressão passou a enganar e confundir muito mais do que descrever.

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