Data: 19 de novembro de 1999
Assunto: Auto-estima
Contexto: Elis é outra pessoa com paralisia cerebral e havia tido o primeiro aniversário em que os amigos estiveram presentes.
Elis
[C] Ronaldo Querido amigo, que saudades, admiro muito sua inteligência, quando entrei na lista, um dos primeiros e-mails que eu li foi o seu, foi ai, que resolvi me abrir totalmente para a lista vital, porque na minha apresentação eu só coloquei Paralisia! o estigma de ser uma PC ainda não superei, mas creio que ainda vou vencer esta grande barreira, eu participo de uma lista de musica, você pensa que consigo falar, não consigo não, somente o Duda sabe, com certeza isso se chama AUTO-ACEITAÇÃO e AUTOESTIMA! gostaria que uns dos próximos assuntos da lista fosse esse! o que você acha??
Sei como você se sentiu nesse aniversário! A primeira vez que comemorei um aniversário com amigos foi quando completei 26 anos, em 1990. Desde então, sempre que essa data – em que, como você deve saber, a solidão e o isolamento de quem tem PC doem mais – se aproximava, ficava na maior agonia querendo reunir os poucos amigos que tenho. Porém, em 1997 me cansei desse processo, acho que fiquei deprimido e cismei de não fazer comemoração alguma, o que preocupou muito minha terapeuta, que resolveu me fazer mudar de idéia, marcou uma saída comigo e meio por acaso lembrou a data a uma amiga que também é psicóloga, mas pensei em desmarcar até na última hora – mas se tentasse desmarcar, com certeza ela teria me arrastado para fora de casa:) O bar em que marcamos estava fechado, ela inventou de ir a outro chamado “Terapia” e fiquei tirando onda com a situação, afinal estava num bar com esse nome com minha terapeuta e uma amiga psicóloga – mas só me animei mesmo com a chegada de outra grande amiga, a qual nunca tinha estado num aniversário meu. Foi o melhor aniversário da minha vida – ironicamente, eu não queria comemorá-lo –, principalmente porque houve alguém que se importava tanto comigo que queria me tirar de casa a todo custo.
Participo de uma lista de ficção científica há dois anos e só no fim do ano passado – quando a Veja fez uma matéria sobre pessoas com deficiência – foi que o pessoal de lá soube que tenho PC, não porque escondesse ou omitisse esse fato, e sim por não ter relevância, do mesmo modo que, lá, não tem importância se alguém é negro ou branco, homem ou mulher, etc; não houve qualquer mudança da forma como sou tratado e, devido a alguns flames recentes, adquiri destaque nessa lista. Nunca me ocorreu me esforçar para manter minha PC em segredo – mas não é, p. ex., algo que digo logo de início num chat –, mas a autoaceitação e autoestima demoraram muito a chegar, o que só ocorreu depois de ter amigos que me admiram, conseguir um computador, trabalhar durante certo tempo; quando fiz meu site, intuí que o diferencial dele, o que o tornaria atraente seria a luta com a deficiência – deu mais certo do que poderia imaginar, o meu site se tornou famoso, a imprensa fala dele e me tornei alguém de quem a família se orgulha, o que reforçou a autoaceitação e autoestima. No entanto, ainda fico desconcertado quando ouço um elogio.
Espero que você tenha outros aniversários como este.